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19:28 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
[pivô satélite 2023] Entrevista com Emilio Bianchic e Florencia Rodriguez Giles
Ronquidos Oceánicos II Insomnia, 2023 [frame]

Conheça os artistas Emilio Bianchic e Florencia Rodriguez Giles, que estiveram no Pivô Satélite 2023. A dupla esteve em diálogo direto com a curadora Violeta Mansilla, curadora do UV Estudio.

A entrevista foi conduzida por Ana Roman, curadora do Pivô.

 

Ana Roman: Olá, gostaria de agradecer em nome do Pivô pela colaboração, pelo trabalho, pela possibilidade de tê-los conosco no Pivô Satélite 2023. A primeira coisa que eu gostaria de ouvi-los contar é um pouco da pesquisa individual e da trajetória de vocês.

Emilio Bianchic: Comecei pela pintura tradicional. Então passei para a nail art, pois me interessei pela questão de mudança de escala. Meu interesse, na verdade, é a impraticabilidade entendida uma oposição ao mundo do trabalho e ao senso comum. Me interessa muito a falta de jeito e de reconhecê-la como uma forma de ação. Gosto de desarmar essas ideias que estão na arte, como o talento, e etc. Comecei a fazer todas as pinturas, pintar com os pés, tocar piano com os pés e a fazer o que chamo de feet thinking.

Ao me interessar por o que é diminuto e também desimportante, comecei uma pesquisa com as formigas, tentando entender a organização do formigueiro e as hierarquias relacionadas ao trabalho, e como isso chega à nossa sociedade.

Sempre me interessa em como as pequenas coisas que passam despercebidas são as coisas que são descartadas para que não tenham importância. Gosto de me concentrar nisso.

Florencia Rodriguez Giles: Meu trabalho principal é o desenho; algumas experiências se transformam em vídeos – mas os vídeos não são o meio em si, eles são experiências performáticas. Trabalho há muito tempo buscando a relação que temos com os sonhos, com o inconsciente ou com tudo que não é racional e que não podemos controlar. Essas experiências em geral têm a ver com o não reconhecimento de si mesmo, como uma busca outra para além do que é o eu biográfico.

Procuro meditações imaginárias em sonhos ou em estados alterados. Para esse tipo de experiência, produzo máscaras, figurinos e próteses Me interessam muito as práticas religiosas como momentos de estar em contato com algo que não é a vida mundana e a realidade consensual.

Os desenhos são documentos destas experiências; não são só representações ou desejos de sensações que estas experiências podem trazer ou invocar. Pode-se invocar coisas que não se vêm quando se está em estado alterado não somente através de drogas, também através da respiração ou de cantos; se pode transformar em um animal ou em um monstro ou em algo que não se conhece. Então é um pouco disso que aparece nos desenhos.

E o que mais? Bom, e com Emi [Emilio Bianchic], começamos a trabalhar juntos a partir de uma colaboração em um vídeo. A primeira vez que mergulhei eu não podia acreditar porque isto estava muito relacionado a todas as minhas pesquisas, sobretudo, espirituais, de meditação, de respirações, de cantos.

Ronquidos Oceánicos (Ronco Oceânico) tem muito a ver com um estado oceânico de comunhão com o todo e também de um erotismo que te pode levar à morte.

Ana: E como foi o processo de realização desse filme que está em cartaz no Satélite -Ronquidos Oceánicos II Insomnia ? Eu entendendo que ele é, de algum modo, uma continuação do Ronquidos Oceánicos, certo?

Emilio: O vídeo começou com um projeto realizado em uma residência nas Ilhas Cayman, Palm Heights Residence. É uma residência muito louca, porque acontece em um hotel nesse lugar, sobre o qual sabemos apenas coisas relacionadas ao universo de lavagem de dinheiro e etc. Ao irmos para esse lugar, no meio do Caribe, tivemos a possibilidade de vivenciar a ilha e pudemos mergulhar diariamente. Durante esse tempo, o que fizemos foi gravar, gravar e gravar, sem ter um objetivo claro. Só sabíamos, a princípio, que queríamos filmar o recife e que queríamos fazer mergulho noturno, que é uma experiência totalmente oposta ao mergulho durante o dia.

Florencia: Penso que neste sentido também se relaciona com a primeira experiência de Ronquidos I. Nós também não sabíamos o que faríamos, simplesmente filmamos. Havia uma intuição de captar certas imagens; não se sabe em que se converterão. Na primeira vez que fizemos isso, criamos uma grande narrativa, que surgiu da experiência de estar mergulhando no Mar Vermelho. Já no filme que apresentamos para o Satélite, temos a mesma coisa: nos encontramos filmando baixo d’água no contexto das Ilhas Cayman, com todos esses hotéis gigantes e vazios, com um cemitério em frente à praia. Ou seja, foram muitos sinais: sabíamos que estavam, de algum modo, falando conosco e que então fomos filmá-los e que depois poderíamos construir uma narrativa.

Emilio: Logo de início, no hotel, fizemos entrevistas as pessoas que estão ali trabalhando e que, depois que os turistas vão embora, ficam por lá. Diferente dos turistas, elas não estão relaxando, elas estão do outro lado. Nos interessou essa relação entre relaxamento e stress. Isso está muito presente no filme. Entrevistamos muitas pessoas. Não queríamos, porém, mostrá-las. Perguntamos para elas como dormem e descansam; gostaríamos de transmitir essa experiência também no video.

Fomos colhendo essas e outras sensações e imagens, e trabalhamos de maneira intuitiva, sabendo que depois teríamos o vídeo.

Ana: O trabalho, de algum modo, tem um quê de eco terror, certo?  Existe uma atmosfera assustadora criada. 

Flor:  Sim. Bom, é que era algo que estava muito presente na ilha. Havia muitos hotéis, todos vazios. De repente aparecia uma pessoa limpando as espreguiçadeiras para ninguém.

(…) As pessoas todas viviam em outro lugar, e se organizavam em uma comitiva para irem trabalhar. De repente fazíamos parte desse movimento. Nada era fácil de entender, parecia uma ficção, um mundo paralelo. A todo tempo pensávamos que esse lugar estava habitado por fantasmas, que esses trabalhadores imigrantes estavam aí trabalhando eram quase entidades invisíveis.

E também, bom, há algo sobre o excesso de materialismo capitalista que marca a existência desse mundo invisível. Algo de preservar ou reproduzir o excesso nos parecia bastante aterrorizante. Ou seja, se isso não é terror, não sei o que é o terror.

Ronquidos Oceánicos II Insomnia, 2023 [frame]

Emilio: Há uma espécie de peso constante sobre esses lugares. Creio que é muito comum em muitos lugares turísticos, em especial assim como na zona do Caribe, ilhas e qualquer espaço colonial ou neste caso ultra colonial. As Ilhas Cayman continuam sendo um território britânico. Eles tem, por exemplo, a rainha nas cédulas: é surreal.

Começamos a ver esses hotéis como corpos fantasmas; e, ao mergulhar a noite, tínhamos outra visão de natureza. Não aquela idealizada em documentários de natureza  – cujas cores, por exemplo, são feitas em pós-produção. Para nós, a natureza tinha também aspectos horrorosos e espantosos.

Compartilhamos um certo peso de que o mundo está acabando e isso está presente no filme. Para mim, a narrativa que criamos é mais aterrorizante do que pessimista. O que você acha, Flor?

Flor:  Sim, não, não o vejo pessimista.

Ana: Eu também não vejo.

Emilio: Não queremos que esta ideia fique. Acredito que o video seja sobre aquela sensação do terror que dá na pele, sabe?

Florencia: Não, sim, tem algo do terror, mas também… bom, para mim, tem também tem algo muito erótico, sobretudo na parte debaixo d’água. Os corpos subaquáticos são tão exuberantes….

De certo modo, apesar de tudo estar desmoronando, há um sinal real de esperança (…) seguindo aquela água viva. A todo tempo falamos muito dos espaços psicóides, que são os espaços entre a realidade psíquica e a realidade física, e penso que há desta semi presença da água viva que também pensávamos que poderia haver algum tipo de possível refúgio em um espaço intermediário que não é o material.

Ronquidos Oceánicos II Insomnia, 2023

Ana: Falando um pouco dessas sensações, existe um componente sônico importante para o filme. Vocês poderiam, por favor, contar sobre isso?

Emilio: No video não há uma narrativa muito linear; construímo-lo a partir das sensações no corpo. O filme é mais espacial, é como uma viagem que o corpo vai vivendo e sentindo. O som é um componente fundamental para criar isso.

Nossa ideia foi misturar sons debaixo do mar, com os sons acima do mar, da terra. É um convite para que as pessoas se desliguem de um lugar único, e que sempre transitem para outros. Queríamos criar espaços novos e novas sensações com o som.

Florencia:  Estava pensando na importância, tanto no Ronquidos como neste filme, da experiência do espectador. Como o som tem uma sensação que, às vezes, é muito mais potente e direta que do que a imagem, quando colocamos ênfase neste criamos uma experiência áptica, que pode ser sentida em todo corpo. A sugerida narrativa é, inclusive, mais marcada pelo som do que pela imagem.

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