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19:28 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
[pivô satélite 2023] Entrevista com Ramon Reis
Viriandeua-Virianduba, 2023 [frame] [Foto: Adriana Sena]

Conheça Ramon Reis, artista do Pivô Satélite 2023. O artista está em diálogo direto com Vânia Leal, curadora do Arte Pará.

A entrevista foi conduzida por Ana Roman, curadora do Pivô.

Ana Roman: Olá, Ramon. Vou começar essa conversa agradecendo por você estar conosco no Pivô Satélite 2023. Como introdução geral, eu gostaria de pedir para que você se apresente, por favor. 

Ramon Reis: Olá, Ana. Eu me chamo Ramon Reis, eu sou natural de uma cidade do litoral do Pará chamada Salinópolis, que fica a aproximadamente 210 quilômetros da capital Belém. Eu sou um homem gay, da região norte, que se reconhece como uma pessoa amazônida e que vivencia isso aqui desde quando eu nasci.

Apesar de ter saído daqui desse contexto para estudar fora, quando eu volto eu consigo me entender um pouco dentro desse lugar, seja como acadêmico, mas também como artista visual. Eu tenho uma formação na antropologia, um percurso vasto de graduação, mestrado e doutorado em Ciências Sociais. Ao final do meu doutorado, eu comecei a ser muito atravessado pelas artes visuais. Elas começaram a me capturar e eu comecei a dar vazão a isso.

O meu trabalho como artista começa basicamente no período mais tenso da pandemia. Naquele momento, comecei a escrever vários poemas sobre vida, morte e infância. (…) Quando eu escrevo esses poemas eu lembro muito da minha avó materna que chama Zila. Ela foi a minha principal referência de mãe, além da minha mãe biológica. Foi a principal pessoa que me criou até os nove anos de idade lá em Salinópolis e foi a pessoa que me alfabetizou também.

Observo, em movimento, a sutileza da finitude

e seus encontros miméticos.

Quem dera voar para sobrepujar o ar!

Pontilhar seus traços e confundir a si,

mesmo a esmo.

Vida tanta!

[…] existencial e atemporal […]

Não cabe em ti ser um prelúdio,

que mistura a voluptuosidade subjetiva

e viva da fruição física e espacial.

 

Foto: Adriana Sena

 

Sagaz é o modo de ver.

Tenaz é a força em querer mais,

de quem espera um toque, um olhar,

do que nos enreda em força e coragem.

E grita: siga!

E cala: sente!

E corre: fuja!

E gira, na mais inebriante linha tênue

[linha tênue, Ramon Reis]

Saí de Salinópolis em 2004 para prestar vestibular, e sempre vou e volto quando posso. Minhas visitas à cidade são permeadas por momentos nos quais eu me conecto com essa ancestralidade, que vem muito da minha avó materna.

Meu trabalho nas artes visuais começa nesse período da pandemia para pensar em vida e morte, e também é uma possibilidade de me conectar com essa figura da minha história.

Ana: Na sua trajetória acadêmica, seus interesses também estavam na relação entre morte e vida? Ou esse interesse surge a partir da pandemia e do momento  de dor que estávamos vivendo?

Ramon Reis: Essas ideias me perseguem, na verdade, a partir do momento que eu saí da igreja católica, e passei a comungar de algo muito mais próximo das religiões de matriz africana. Eu não pertenço a nenhum terreiro, mas eu tenho muitos amigos que sim e eu comecei a entender como a ancestralidade marca nossa trajetória.

Em nenhum momento das pesquisas acadêmicas, eu trabalhava diretamente com vida e morte – tema que podemos localizar dentro da antropologia da morte. Eu trabalhava produzindo material, produzindo dados para pensar a sexualidade, a orientação sexual de sujeitos na periferia. É praticamente inevitável não pensar na vida e na morte como um fator preponderante da existência desses sujeitos LGBTQIA+. Então eu falava disso, mesmo que indiretamente, eu não tinha me pensado, pensado isso como um conceito

Ana: Gostaria que você contasse um pouco sobre Viriandeua-Virianduba, Entendo que é um trabalho que se desdobra em três momentos, você poderia, por favor, nos situar?

Ramon Reis: Eu evito falar muito, dar muito spoiler. Esse trabalho faz parte de uma trilogia que começa no período da pandemia. Naquele momento, para que eu não sucumbisse ao caos eu precisei fazer alguma coisa que extrapolava o texto, a narrativa textual. Me dediquei a pensar na vida e na morte, nessas dualidades.

No segundo momento, que é o trabalho que realizei no contexto do Pivô, parto para pensar na relação entre natureza e cultura. O trabalho é uma relação sobre a ocupação territorial, a questão da escuta, da sonoridade, até da possibilidade, inclusive, de conseguir repensar a própria Amazônia. Olhar para essa Amazônia com outros olhos, mesmo estando aqui. E num último momento, no último ato, eu pretendo realizar um trabalho sobre saúde e doença. No último ato, gostaria de pensar nos fluidos corporais, mas que é algo que ainda está muito embrionário.

 

Ana: Nesse trabalho sobre natureza e cultura, na verdade, eu acho que talvez em todos, tem essa dimensão da performance, o seu corpo está presente. Por que que você se coloca nesse lugar nessa sua produção? De onde vem esse interesse pela performance?

Ramon Reis: Olha, eu vou contar de forma anedótica aqui, eu não sei se vai sair na entrevista.

Ana: Não, imagina, adoro anedotas.

Ramon Reis: É, exatamente. Isso tudo começou com a novela Tieta, em 1988, 1989: aquela música do Luís Caldas, que era muito emblemática naquele período, da abertura da novela. Eu fui criado majoritariamente por mulheres, então quando começava a tocar essa música na abertura, todas elas se reuniam para me ver dançar na sala de casa. Então eu tinha uma coisa da performance, talvez eu não tinha a dimensão disso naquele momento, mas isso me fez, me abriu portas para me entender enquanto homem gay, para encarar isso. E eu fui começando a entender também um processo que brotava de dentro para fora.

Mas imagina se, em Salinópolis, uma cidade que naquela época tinha cerca de 30 mil habitantes, uma pessoa decide ser ator? É meio loucura. Como é que tu vai fazer? Não tem um teatro aqui.

E aí a gente vai ocupar outros lugares. Eu tive que sair de lá, porque a cidade se tornou muito pequena. Então essa anedota inicial, talvez ela conecte diretamente agora nesse momento onde eu tenho a possibilidade de dizer: eu quero fazer dessa forma, eu posso usar esse corpo como essa plataforma de ação conceitual, artística e que pode me levar para outros caminhos. Eu acho que o meu corpo, nesse sentido, ele acaba sendo um suporte, um dos suportes principais ou talvez o suporte principal porque ele é atravessado, ele é costurado por… pensando nesse trabalho agora, ele é costurado por várias linhas de força, que podem ser imaginárias ou podem ser mesmo materiais, como elas são.

Ana: Sim, nesse trabalho que estamos exibindo no Pivô Satélite, temos um corpo território que é perpassado por linhas de força, certo? Vemos, sobretudo, as linhas do mangue agindo sobre um corpo que se torna corpo-mangue. Gostaria que você contasse um pouco sobre de que maneira o território de onde você vem se presentifica no seu trabalho?

Ramon Reis: Para te responder, eu não tenho como não lembrar dos mestres aqui, os mestres de Carimbó, das pessoas mais velhas, das pessoas que me ensinaram o valor da oralidade. Eu penso nas comunidades Haliêuticas, que são aquelas que desenrolam esse processo entre atividade humana e a natureza. O meu trabalho é uma reverência a essa população que está quase que diluída nesse processo todo com a própria natureza.

No primeiro ato do vídeo Viriandeua-Virianduba, estou no mangue; no segundo estou com uma indumentária vermelha para saudar a revoada de guarás que está em extinção aqui nesse território. Os dois atos, mas, sobretudo o segundo são possibilidade performática de imaginar que eu sou um desses seres que são natureza e território. Assim como as pessoas que vivem nesse território, e que não apenas trabalham para sobreviver neste território, mas pertencem a ele.

Viriandeua-Virianduba, 2023 [frame] [Foto: Adriana Sena]

De que forma que eu pertenço a esse território? Só consigo pertencer quando me embrenho e sinto-o. Talvez pudéssemos falar em uma antropologia dos sentidos.No trabalho, temos várias situações onde há um convite para se ficar mundiado, imbuído por todas coisas.

Viriandeua-Virianduba, 2023 [frame] [Foto: Adriana Sena]

Ana:. Em algum momento das nossas conversas você falou muito da escuta do território. De que maneira poderíamos escutar o território Amazônico? 

Ramon Reis: Existem duas escutas. A escuta atávica, é aquela que estamos mais acostumados: é uma pessoa que fala do lugar dela para outras pessoas que já conhecem e está tudo certo. O segundo tipo de escuta é politizado: é o momento no qual outras pessoas, que não são da região, também podem escutar e intervir nos processos que acontecem na região. Existe um território de escutas que são confluentes e, à medida que as pessoas revelam-se, desvelam sentidos e significados sobre o seu pertencimento.

A gente sempre convida as pessoas de fora para virem para cá [Amazônia], porque é fundamental que elas vivam neste espaço. Estamos olhando para uma Amazônia que está virada para o oceano Atlântico. Existe uma captação de forças e de pessoas e de narrativas que é completamente diferente do que está na capital, por exemplo. Me parece fundamental – sobretudo neste momento – a confluências das várias escutas neste território.

Viriandeua-Virianduba, 2023 [frame] [Foto: Adriana Sena]
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