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19:36 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
Tinder, por Clarissa Diniz

 

Era noite na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Em volta de uma mesa, nós, integrantes do Curso de Formação e Deformação 2019 da EAV, imaginávamos juntes como poderíamos “concluir” a experiência vivida ao longo do ano.

 

Entre a vontade de afirmar o modelo da “exposição de conclusão” em razão do direito a ocupar este lugar – considerando que, em sua maioria, pessoas como as então participantes do curso têm sido historicamente impedidas de acessá-lo – e, em direção contrária, o desejo de implodi-lo, fomos aos poucos gerando Estopim e Segredo, uma exposição em cinco cortes.

 

O que aqui importa dizer desse processo é que Estopim e Segredo foi curatorialmente auto organizada por seus participantes. Cada corte reunia um conjunto de aproximadamente cinco artistas que escolheram uns aos outres através do que apelidamos de tinder: uma dinâmica calcada na lógica dos matches do famoso aplicativo.

 

Num papel, cada artista escreveu o nome de outras cinco pessoas com as quais tinha desenvolvido diálogos e identificações ao longo do ano de convivência. Após patinarmos bastante por conta de nossa pouca intimidade com a lógica dos cruzamentos de dados, com a ajuda de uma tabela conseguimos mapear os matches e, assim, vivenciar o prazer de curar entre crushes.

 

Aí veio a pandemia. Tudo se transformou e agora a cena aqui evocada se dá virtualmente. Estamos no Pivô Pesquisa: mais especificamente, no Ciclo II do programa 2020, conduzido remotamente em razão do covid-19.

 

São oito artistas que, em sua maioria, não se conhecem. Pouco sabem sobre os trabalhos e as perspectivas uns des outres. Leram, todavia, cartas nas quais compartilhavam um pouco de suas experiências de vida e, numa tarde de conversas – com a mediação de objetos, memórias, angústias – falaram também sobre interesses poéticos. São essas mesmas oito pessoas que, desta vez a partir de uma identificação mínima, se lançaram ao tinder.

 

Por e-mail, recebi os nomes indicados por cada artista e com menos esforço do que da primeira vez se fizeram os matches: duplas auto escolhidas que, a partir de então, se lançariam ao exercício de se conhecer e de apresentar a obra de outre ao restante do grupo de residentes.

 

O tinder do Pivô foi, por isso, ainda mais tinderesco. Com poucas informações e experiências disponíveis, as relações estabelecidas a partir dos matches demandaram especial coragem e confiança. Mundos inteiros foram abertos aos crushes recém-chegados. Em alguns casos, como aconteceu com a dupla Ana Almeida e Iagor Peres, até mesmo as nuvens (com todas as suas sobras e intimidades) foram compartilhadas. Da metáfora à literalidade and back again, senhas que dão acesso a singularidades e processos diversos foram trocadas no curso do conhecer-se e na invenção de reciprocidades nesta residência remota.

 

Ao longo de intensos dias, cada dupla vivenciou – de acordo com seus próprios ritmos e interesses – formas particulares de interlocução. Conversas, áudios de whatsapp, anotações, fotografias, links, documentos compartilhados, vídeos, livros, memórias e, ali e acolá, também portfolios (ou congêneres) atravessaram esse mútuo conhecer-se.

 

Pude participar um pouco de cada processo, inserindo-me nas duplas por algumas horas e vivenciando o privilégio de aprender a partir da intensidade e da franqueza das relações que foram se adensando a cada dia. Testemunhei o afiar das escutas na medida em que as trocas eram engendradas e passavam a incorporar as responsabilidades de apresentar, interpretar, representar, interpelar, evocar o crush.

 

O tinder seguiu, então, com oito encontros de apresentação des artistas participantes da residência desde a perspectiva de seus crushes e, claro, contando com as preciosas contribuições des outres. Estratégias particulares constituíram esses dias quase imersivos: vídeos, cartografias, ensaios, stories, falas, imagens. Entre as peculiaridades de cada apresentação – e no seio das singularidades de cada obra – fertilizou-se um território tão comum quanto estranho no qual identificações se entrecruzavam, a todo tempo, com a tomada de consciência das diferenças entre poéticas, posições, horizontes.

 

Diante da abundância de trocas e aprendizados, no blog do Pivô nos propomos a compartilhar algumas das reflexões que foram coletivamente construídas ao longo da experiência do tinder. Seguindo a lógica dos matches, os próximos posts darão continuidade à convicção da relevância da alteridade para a elaboração de quaisquer ideias sobre o que fazemos, desejamos ou imaginamos fazer. Aposta radical nas perspectivas encarnadas no outre que se aproxima na pujança das suas diferenças: daquelas com as quais prazerosamente nos contaminamos àquelas que, tomadas desde nossos pontos de vista, preferimos manter inegociavelmente distantes de nós.

 

Clarissa Diniz é curadora, crítica de arte e professora. A convite do Pivô, realiza o acompanhamento curatorial do Ciclo II do programa de residências Pivô Pesquisa 2020.
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