Domingos, 12h às 18h
O Pivô recebe a partir de 2 de setembro exposição inédita da artista mexicana Mariana Castillo Deball, com curadoria de Fernanda Brenner, diretora artística do Pivô, e Ana Roman, curadora do Pivô.
Mariana Castillo Deball traz ao Pivô uma edição do projeto TO-DAY, já realizado na Bienal de Liverpool e no Museu de Arte de Savannah College of Art e Design. No Pivô, a edição do projeto recebe o nome de A Noite.
O projeto consiste em uma grande instalação-palco, que ocupará o principal espaço expositivo do Pivô, e em uma espécie de jornal. A instalação hospeda um personagem fictício que existe apenas em um dia, ao longo dos anos. O personagem pode navegar livremente nesta data em anos diferentes, pulando para frente e para trás em um espectro de tempo de 24 horas.
Em sua primeira exposição solo em uma instituição brasileira, a artista mexicana Mariana Castillo Deball apresenta uma iteração de seu projeto de longo prazo TO-DAY. O projeto engloba uma instalação que se estende por quase todo o primeiro andar de exposições do Pivô e abriga um personagem fictício que existe apenas em um único dia, dentro de vários anos. Acompanhando essa instalação, há um jornal distribuído pela artista. Nesta edição da instalação, o personagem é inspirado pela fábula da Torre de Babel: na história, a humanidade tenta construir uma torre para alcançar o céu. Deus, observando essas atitudes, os pune alterando suas línguas, para que não possam mais se entender e os espalha pelo mundo. A Torre nunca foi concluída e diferentes línguas foram criadas. O mito serve como uma metáfora para o local da obra: o Copan seria uma Torre de Babel contemporânea em São Paulo.
O personagem salta através da história dentro de um espectro de tempo de 24 horas, com a data de sua existência sempre alinhada com a abertura oficial da exposição – neste caso, 2 de setembro. Esta data específica é marcada por uma multiplicidade de eventos: desde a rendição e conclusão da Segunda Guerra Mundial até as revelações sobre a escassez de ouro para a cunhagem de moedas no Império Português; do fim da censura telegráfica à luta contra o “cangaço” no Nordeste do Brasil; dos relatórios preocupantes sobre o armistício nuclear ao devastador incêndio de um dos maiores tesouros culturais do país – o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Esses eventos são documentados em jornais e acompanhados por anúncios que prometem soluções miraculosas para a falta de apetite das crianças, sapatos confortáveis e elegantes, ou notas sobre descobertas científicas relacionadas ao espaço.
Os desenhos e colagens que constituem a instalação são inspirados nesses eventos e na pesquisa da artista, que imagina o museu etnográfico como uma metáfora para a Torre de Babel, uma construção colonial com a ambição de reunir todos os objetos e todas as línguas. A instalação também contém peças sonoras compostas pela artista com base na apropriação de gravações sonoras da coleção de 1938 das Missões de Pesquisas Folclóricas, criadas por Mário de Andrade, e de uma coleção virtual intitulada A Nova Arca de Noé (Noah’s New Ark). A cacofonia é uma evidência da confusão das línguas de Babel.
Ao longo de sua carreira, Mariana Castillo Deball tem explorado o papel dos objetos em nossa identidade. Dedicou-se a examinar as rachaduras e complexidades do museu em vários projetos, reconhecendo-o também como um dispositivo colonial, criado para armazenar e preservar elementos da cultura material. Coincidentemente (ou não), a abertura desta exposição coincide com o incêndio mencionado no Museu Nacional – um lugar de grande relevância para a pesquisa e formação da artista. O incêndio destruiu mais de 20 milhões de itens que constituíam suas coleções, gerando preocupações éticas sobre a constituição desses arquivos e a falta de políticas de memória que caracterizam a história das instituições no Brasil. O interesse de Deball reside no desaparecimento dos objetos e em como o acaso influencia a maneira como o conhecimento e a cultura são produzidos, representados e disseminados.
Atualmente, museus em todo o mundo estão lidando com o desafio de reconhecer as origens coloniais de suas coleções. Muitas vezes, essa tarefa envolve ações como a restituição e reclassificação de objetos, mas esses passos podem não abordar totalmente as demandas legítimas daqueles que lutam pelo reconhecimento histórico. O desafio atual está em contemplar mudanças mais profundas para esses espaços. Isso implica reconhecer que as estruturas institucionais estão enraizadas em relações históricas e jurídicas que ainda são coloniais e tentar reconstruí-las. Como sugere a curadora e pesquisadora alemã Clémentine Deliss: “Remediar a coleção etnográfica é lidar com essa mistura de desconforto, dúvida e melancolia, a fase caput mortuum da regeneração alquímica, transformando esses objetos em um ambiente contemporâneo e, assim, construindo interpretações adicionais sobre seu conjunto existente de referências”.
Cinco anos após o incêndio, algumas salas do Museu Nacional ainda estão tomadas por escombros. Em meio aos materiais queimados, é difícil distinguir entre restos arquitetônicos e objetos milenares. Aproximadamente 85% de sua coleção foi totalmente destruída, e os itens restantes servirão como ponto de partida para uma nova coleção. Isso levanta a inevitável pergunta: que forma tomará essa nova coleção? Quais princípios e abordagens guiarão a composição de um museu de “história natural” erguido há mais de dois séculos? A própria noção de separar as ciências naturais das ciências humanas parece problemática. Como afirma a filósofa e cientista Isabelle Stengers: algumas pessoas amam dividir e categorizar, enquanto outras constroem pontes – forjando conexões que transformam uma divisão em um contraste ativo, com o poder de afetar e gerar pensamento e sentimento.
Os museus do século XIX serviram para justificar a colonização e as divisões pelas quais alguns se sentiam autorizados a estudar e categorizar outros – uma separação que ainda persiste. À medida que a restauração do Museu Nacional avança, uma equipe de curadores e museólogos trabalha para conceber as exposições planejadas para receber novamente os visitantes em 2027. Neste caso, a tragédia deu origem à oportunidade não só de reconstruir a estrutura física, mas também de reconceituar os princípios fundamentais da coleção. É uma chance de desconstruir sua perspectiva colonial. As coleções etnológicas agora se beneficiam de uma nova perspectiva de um curador indígena – o antropólogo Tonico Benites Guarani-Kaiowá, que obteve seu doutorado no próprio Museu Nacional. Em uma entrevista à revista Piauí, ele afirma: “Essa coleção foi formada a partir de uma perspectiva colonial, mas esperamos reconsiderá-la hoje como uma coleção com – não sobre – as comunidades indígenas do Brasil”.
Castillo Deball define que objetos desconfortáveis funcionam como fábulas que dão voz aos não-humanos: eles imaginam suas vozes, sua consistência e sua temporalidade. Produtos do desejo, da pesquisa ou da imaginação, eles desestruturam nossa concepção de mundo e nos forçam a ver a partir de sua perspectiva. O que os não-humanos têm a dizer sobre o mundo que construímos ao redor deles? Sobre nossas definições, nossas manipulações e nossos usos? O que resta dos objetos após tantas manobras históricas, e quais seriam seus testemunhos se pudessem nos contar suas histórias a partir de suas próprias perspectivas? Como seria uma coleção onde os objetos não fossem mais “desconfortáveis”?
Navegar pela pesquisa especializada da artista com o corpo e os olhos é como estar entre aqueles que constroem pontes, como sugere Stengers. O trabalho de Mariana demonstra o significado de catalogar e preservar coleções de objetos rituais e memórias pertencentes a outros. Simultaneamente, nos ensina que podemos ousar criar taxonomias transgressoras.
O Pivô recebe a partir de 2 de setembro exposição inédita da artista mexicana Mariana Castillo Deball, com curadoria de Fernanda Brenner, diretora artística do Pivô, e Ana Roman, curadora do Pivô.
Mariana Castillo Deball traz ao Pivô uma edição do projeto TO-DAY, já realizado na Bienal de Liverpool e no Museu de Arte de Savannah College of Art e Design. No Pivô, a edição do projeto recebe o nome de A Noite. O projeto consiste em uma grande instalação-palco, que ocupará o principal espaço expositivo do Pivô, e em uma espécie de jornal. A instalação hospeda um personagem fictício que existe apenas em um dia, ao longo dos anos. O personagem pode navegar livremente nesta data em anos diferentes, pulando para frente e para trás em um espectro de tempo de 24 horas.
A artista toma 2 de setembro como ponto de partida, a data, que recebe a abertura de sua primeira exposição individual no Brasil, é marcada pelo incêndio no Museu Nacional no Rio de Janeiro, em 2018. Deball revisita, de maneira indireta, os restos da coleção no Museu Nacional do Rio de Janeiro, após o incêndio de 2018. Os 20 milhões de itens catalogados que desapareceram e os traços remanescentes de sua existência são o ponto de partida para uma reflexão acerca da memória e dos dispositivos museológicos.
Na instalação, Deball ficcionaliza em torno de acontecimentos reais do dia 2 de setembro, ao mesmo tempo em que se apropria se sons e canções coletadas por expedições de caráter de levantamento folclórico e popular, como aquelas coletadas pelas Missões de Pesquisas Folclóricas de 1938, empreendidas por Mário de Andrade quando estava a cargo do Departamento de Cultura de São Paulo. Há, por toda a instalação, fatos que perpassam a vida de um país na periferia do capitalismo, combinados a eventos internacionais – alguns deles permeados de humor. O espectador é convidado a permanecer sentado ou circular nesta espécie de praça pública criada pela artista.
Ao longo de sua obra, Castillo Deball revela as fissuras e complexidades do dispositivo colonial museu, convidando-nos a repensar não apenas o que foi perdido no incêndio, mas também o que é constantemente obscurecido e silenciado. Através dessa exposição e de seu corpo de trabalho em geral, a artista nos lembra da importância de reconstruir esses dispositivos, buscando uma compreensão mais inclusiva e verdadeiramente representativa da cultura e da história. Deball interesse-se pela maneira como o conhecimento e a cultura são produzidos, representados e difundidos. Desde suas obras iniciais, a artista tem buscado entender de que maneira o acaso – um resultado do passar do tempo, erosão, fragmentação e intervenção humana, entre outros fatores – influencia em grande medida a maneira como adquirimos conhecimento sobre o mundo e construímos narrativas. Esse interesse a levou a examinar a história de certos artefatos e suas transformações, reproduções, apropriações e desaparecimentos.
A Noite
Mariana Castillo Deball
Curadoria: Fernanda Brenner e Ana Roman
Abertura
sábado | 2 de setembro de 2023
13h às 19h
Entrada gratuita

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