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Exposição
Lucas Simões: Dimensão Encerrada
08/09 - 14/10/12

Simultaneamente à inauguração do projeto, a galeria Emma Thomas apresentou duas propostas que iniciam o programa de parcerias PIVÔ CONVIDA, em que projetos com diálogo curatorial entre a produtora proponente e o PIVÔ são recebidos no espaço. De esse jeito começa uma das áreas  de interesse mais importantes dessa inciativa: a criação de diálogos e questionamentos sobre a produção artística através do mesmo processo criativo.

Emma Thomas apresenta o site specific de Lucas Simões, que se relaciona livremente com a discurso curatorial numa ativação paralela à exposição “Da próxima vez eu fazia tudo diferente”.

O LABIRINTO DO ABANDONO por Bruno Moreschi (*)

Em 2010, o público da Tate Modern experimentou o desagrado da escuridão total. No espaço interno do Turbine Hall, o artista polonês Miroslaw Balka construiu uma impressionante obra a partir da história dramática de seu país. Era uma câmera escura de 13 metros de altura e 30 de comprimento. Podia-se entrar no local. Nada se via, mas se ouvia com apreensão os movimentos dos outros visitantes ali.
Houve confusão nos primeiros dias. A história mais conhecida foi a de algum insensato que adentrou na obra e gritou frases ofensivas contra os judeus. A falta de luz tampou sua identidade e também foi o motivo para alguém agredir uma outra pessoa por engano achando que ela seria o autor das afirmações antissemitas. Miroslaw Balka não ficou totalmente chocado com o episódio. Em diversas entrevistas, ele já havia dito que a obra de fato era uma referência clara a alguns episódios traumáticos de seu país de origem – a entrada no Gueto de Varsóvia e os trens que levaram os judeus para os campos de concentração.
O labirinto do paulista Lucas Simões não nasceu de fatos históricos tão desumanos como ocorreu na câmera escura de Balka. Talvez por isso, no lugar da escuridão, há paredes brancas e luz entre elas. Mesmo assim, sua imensa instalação possui uma semelhança significativa com o trabalho anterior. Na falta de um termo melhor, uma semelhança contratual. Uma espécie de acordo entre público e artista. Não se sabe para onde o labirinto irá nos levar. Mas confiamos. E, assim, nos perdemos.
Tal qual ocorre na escuridão de Balka, o labirinto de Simões não nos leva a respostas certeiras. A confusão começa já na definição do que pode ser o início do caminho a ser percorrido. Uma entrada propõe um trajeto que revela a obra com mais facilidade, já que as primeiras paredes não ultrapassam os 80 cm de altura. Na segunda entrada, a sensação é a aposta: as paredes de mais de dois metros impedem qualquer tipo de visão geral. Em comum, os diversos trajetos fazem com que o público vença uma a uma as paredes de gesso. Assim como faz com seus retratos que se formam a partir de sucessivas fotografias justapostas, Simões mais uma vez constrói uma obra de arte em camadas.
Vale ressaltar que os 250 metros quadrados de labirinto não são apenas um caminho circular. Em uma das suas extremidades há uma espécie de chegada. Trata-se de um outro espaço. O oposto do labirinto: escuro, sem obstáculos, mas de acesso negado. Um lanterna colocada pelo artista revela um abandono com canos a mostra, restos de material de construção e um chão frágil.
Mas seria esse o prêmio por vencer o labirinto?
Sim, pois o prêmio aqui é também ruína. Lucas não criou um trabalho que pudesse ser reproduzido em outro local. Trata-se de um site specific. Quando convidado para ocupar a imensa área, veio-lhe o pensamento de alguém formado em arquitetura. Sua grande obra, a mais ambiciosa que já realizou desde então, estaria dentro do Copan, a maior estrutura de concreto armado do Brasil e o maior edifício residencial da América Latina.
A intrigante decepção ao se chegar no final de um labirinto e se deparar com um espaço abandonado e nunca utilizado é a mesma encontrada no prédio de linhas sinuosas e – por que não? – na própria promessa não cumprida da arquitetura modernista brasileira.
Quando o arquiteto Oscar Niemeyer apresentou o projeto do prédio, houve uma lista considerável de justificativas. A principal delas era a de que São Paulo precisava seguir o exemplo de Nova York e construir seu próprio Rockefeller Center. Em seguida, foi exaltada a ideia de unir espaços residenciais com comerciais para a criação de uma área de convício social pleno. Até hoje, Niemeyer se gaba dos elevadores do prédio que ligam sempre dois andares – facilitando o encontro entre os moradores.
Mas a promessa de um símbolo de progresso e convivência pacífica padeceu já nos primeiros momentos. Bancos ligados ao empreendimento faliram, parte do projeto de Niemeyer foi drasticamente modificado (para pior, é claro) e o Centro de São Paulo não foi aceito por paulistanos cada vez mais fascinados por pequenas fortalezas individuais acessadas somente com a ajuda de um automóvel.
O Copan ficou como um dos símbolos de uma vanguarda duvidosa, mas capaz de erguer uma capital federal superficial e calcada por concreto armado superfaturado. Poucas atitudes artísticas seriam mais significativas do que a tomada por Lucas: um labirinto de expectativas que revela no seu fim o abandono, a escuridão, o sítio arqueológico de nosso passado recente.
Muito provavelmente, o público vai se esforçar para poder ver se há algo de concreto nesse buraco negro. Mas que ninguém tenha esperança. Aquele lugar é a representação do vazio, algo raro em uma cidade como São Paulo. Durante as montagens dessa obra, Lucas passeou por horas nesse local escuro. Assustou-se quando foi advertido por alguém do prédio. Aquele imenso espaço tinha chão frágil e poderia se romper com o peso do artista. Na cidade da especulação imobiliária, o vazio é inacessível. Vencidas as paredes de Lucas, o prêmio é apenas a contemplação à distância de algo que não mais se tem.
      

 

* (jornalista especializado em artes visuais e artista plástico)

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